Infância e Televisão

Por:Circuito PSI
Novidades

01

jan 2017

Autora: Karla Cristiane M. de Castro Mariano.

A produção deste artigo deu-se primeiramente em 2003 com o título: ‘Televisão: Um Brinquedo Pouco Inocente’. Depois de 03 anos, com a devida revisão, o texto fora publicado no Jornal Mídia em Julho de 2006 na sessão de Reflexão/ Saúde. Após mais alguns anos, vê-se ainda necessidade de dar continuidade à discussão iniciada. É claro que hoje devemos considerar não só a televisão como objeto de análise, e sim os vários aparatos tecnológicos que as crianças são expostas. Sendo assim,  o artigo pretende analisar a influência da televisão (e demais aparelhos eletrônicos) nos aprendizados e consequentes condutas infantis.

COMU NICA AÇÃO?

No trato com crianças é facilmente observável, tanto fora como dentro da clínica, uma tendência deste público em imitar. Nos dias atuais, a partir de um ano de idade incompleto, as crianças desenvolvem a capacidade de imitar um comportamento observado. A troca e a comunicação entre os indivíduos são a conseqüência mais evidente do aparecimento da linguagem. Sem dúvida, estas relações interindividuais existem em germe desde a segunda metade do primeiro ano, graças à imitação (Piaget, 1999). Além de compor um importante fundamento para o avanço do desenvolvimento, as reproduções de determinadas ações podem registrar aprendizados incompatíveis à idade cronológica da criança. É o caso da reprodução de condutas transmitidas nos programas televisivos, que divulgam ações violentas ou íntimas entre personagens _aqui no sentido sexual.

É importante nos atentarmos para o seguinte fato contemporâneo: os produtores da mídia ficcional descobriram no público infantil uma capacidade elástica de consumo diário de informações e, consequentemente, de produtos e adoção de condutas. As crianças pequenas são inclinadas a pedir (até mesmo pirraçar) por produtos vistos na televisão, pois raramente entendem as intenções de manipulação implícitas no conteúdo midiático. Analogicamente, para a criança, possuir certo produto animaliza cenas que visualizou na tela. Como exemplo pode-se citar os produtos do ‘Ben10’, que vende ‘poderes’, mas somente com a compra do relógio… do tênis luminoso… da camisa… e assim vai. Crianças com menos de sete anos não compreendem completamente a natureza fictícia da televisão, muitas vezes acreditando que o personagem mantém seu papel e suas características na vida real (Wrigh et al., 1994 citado por Shaffer, 2005). É por essa lógica de interpretação que as crianças vão adotando condutas com estereótipos sociais padronizados advindos da divulgação em massa.

Na era virtual é sempre polêmico discussões que possam evidenciar a influência negativa dos meios de comunicação, principalmente dos aparelhos eletrônicos que, para muitos pais, ainda é utilizada como a famosa ‘babá eletrônica’, responsável pela ‘hipnotização’ dos filhos quando nenhum outro recurso funciona. Mas, considerando alguns dos casos atendidos no consultório, pode-se afirmar que o consumo exagerado de produtos ficcionais infantis leva crianças a um isolamento progressivo da realidade não virtual. O referencial dos programas assistidos, com conteúdos não filtrados pelos pais ou responsáveis, determina a ótica de seus receptores como modelos de reprodução.

Os meios de comunicação, muitas vezes disfarçados de entretenimento e diversão, banalizam situações de violência e sexualidade, legitimando novas formas de soluções de conflitos induzindo futuros adultos serem desregrados e gozosos. Fator este que é nítido no Samba da Globalização 2011: “(…) novelas com amor & sexo deixam a tela quente (…)”.

Por outro lado, o fato de milhões de pessoas ouvirem as mesmas redes, cantarem os mesmos jingles comerciais, torcerem e viverem as emoções dos personagens das novelas não é suficiente para apontar a televisão como a única vilã quando discutimos sobre modulagem de comportamentos infantis.

Desse modo, em doses moderadas, a televisão não limita as jovens mentes, tampouco impede seu desenvolvimento social. Ainda assim, veremos que esse meio possui potencial tanto para o bem quanto para o mal, dependendo daquilo a que as crianças estão assistindo e de suas habilidades para compreender e interpretar o que estão vendo. (Shaffer, 2005)

Dentre os estímulos assimilados dos programas de televisão, que apresentem terror, violência ou sexo, as crianças podem desenvolver reações como pesadelos, dificuldades de “pegar no sono”, ou mesmo atividades masturbatórias – ereção, a enurese infantil, manipulação dos genitais, etc.

Como já posto, a ficção é trazida pela criança como um impacto em seu mundo real. É estreitável que crianças apresentem-se mais assustadas ou excitadas se assistem programas com cenas impróprias para a idade à noite, no escuro, sozinhos, ou sem a companhia de adultos.

Observa-se que cenas violentas com situações principalmente de agressões físicas são mais frequentes e liberadas com poucas restrições para o consumo do público infantil. O que podemos confirmar assistindo aos próprios desenhos infantis ou jogos virtuais_ vídeo games.  Neste sentido, crianças e adolescentes que assistem a muita violência na televisão tendem a ser mais hostis e agressivos que seus colegas de classe que assistem a pouca violência (Shaffer, 2005). De acordo com STORR (1968), uma criança educada em circunstancias violentas pode ter seus próprios impulsos agressivos ligeiramente reforçados pelo que lê ou ouve, mas não existem provas de que a comunicação das massas seja basicamente responsável pela delinquência ou pelo crime violento, e impedir uma criança de ver televisão ou ler estórias onde há violência é uma proibição infrutífera com mais probabilidade de provocar ira do que de preveni-la.

Uma estratégica que pode ser eficiente inclui a limitação dos hábitos infantis de assistir a programas impróprios (muito violentos ou de carácter moralmente ofensivos ou sexuais) tentando ao mesmo tempo, faze-los se interessar por programas de temas pró- sociais e educativos. Para tanto, não bastam imposições. É necessário que os pais também se interessem por programações educativas e evitem o excesso na frente da telinha.

Com o crescente avanço tecnológico, não mais assustam as estatísticas que demonstram que aos 18 anos, a criança terá mais tempo assistindo à TV do que realizando qualquer outra atividade, exceto dormir (Liebert e Sprafkin, 1988 citado por Shaffer, 2005). O que é importante percebermos é que existem efeitos da televisão na educação das crianças, e, que esses efeitos podem ser negativos ou positivos (é claro!). Se utilizada como uma ferramenta educativa ou mesmo lúdica, as imitações serão, provavelmente, benéficas, dependendo essencialmente do conteúdo que a criança assiste e assimila.

O assunto é polêmico. É também um assunto extenso. Portanto, a investigação de questões relacionadas à televisão e os efeitos da comunicação de ações como modulações de condutas infantis, deve acompanhar as constantes transformações da linguagem televisiva associadas às fases do desenvolvimento das mesmas crianças.

ILUSTRA AÇÃO

Recentemente, tive a oportunidade de proceder um psicodiagnóstico de uma criança de cinco anos de idade do sexo masculino, que irei citar como J.J. Inicialmente a demanda para o psicodiagnóstico apresentou-se através de encaminhamento da genitora para acompanhamento em terapia de família, que posterior a entrevista inicial optou pela primeira técnica. Queixa: Segundo a mãe, J.J. tinha o hábito frequente de chupar o polegar enquanto manipulava os mamilos. Na escola, mantinha jogos sexuais com meninas trocando “uma olhadinha” dos órgãos femininos por balas ou outros objetos. Já com os meninos apreciava brincadeira que envolvia “lutas”, ocasionando desconforto entre os colegas. E, em casa, costumava simular o ato sexual em brincadeiras com a mãe.

É claro que a investigação de várias transversais foi necessária para a conclusão do psicodiagnóstico em questão. Porém, na intenção de enriquecer o artigo, tomaremos como ponto ilustrativo apenas a queixa relacionada ao hábito excessivo da criança em assistir televisão.

Durante o procedimento de anamnese, a mãe relatou que J.J. dormia muito tarde, permanecendo acordado até 00hs ou 01h da manhã, sendo telespectador de programas impróprios para a idade de cinco anos, desconsiderando as censuras indicadas. Na época, a mãe apontou como uns dos preferidos pela criança, o programa Big Brother Brasil. Em uma análise superficial, foi possível constatar que a televisão contribuiu para o despertar precoce de sensações e prazeres inapropriados para fase em que se encontrava J.J.

Reforço que o resultado do procedimento teve vários desdobramentos. Mas não há como negar, pelo exposto, que a co-participação da criança nos mistérios do amor e da morte, do triunfo do bem sobre o mal, dos movimentos debaixo dos edredons dos famosos realitys shows, basta para estimular o público infantil ultrapassar etapas do desenvolvimento (sexual) adequado a cada fase etária.

Referências Bibliográficas:

BARROS FILHO, Clóvis de. Violência nos Meios de Comunicação. In: KUPSTAS, Márcia (org.). Violência em Debate. São Paulo: Moderna, 1997. Cap. V, p. 96 – 113.

BOLSANELLO, Aurélio. Televisão: Um Brinquedo Nada Inocente. In: ___. Conselhos: Análise do Comportamento Humano em Psicologia. 2ed. Curitiba: Educacional Brasileira, 1980. Vol. I. Cap. 62, p. 357 – 364.

PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia; tradução Maria Alice Magalhães D’Amorim e Paulo Lima Silva. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999.

REGRA, Jaíde A. Gomes. Agressividade Infantil. In: SILVARES, Edwiges Ferreira de Mattos (org). Estudos de Caso em Psicologia Clínica Comportamental Infantil. Campinas/ São Paulo: Papirus, 2000. Vol. II, Cap. VI, p. 157 – 194.

SCHWARTZ, Tony. O Segundo Deus. In: ____. Mídia: O Segundo Deus. São Paulo: Summus, 1985. Cap. II, p. 18 – 24.

SHAFFER, David R. Psicologia do Desenvolvimento: Infância e Adolescência. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

STORR, Anthony. A Agressão no Desenvolvimento da Infância. In: ____. A Agressão Humana. 2ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1968. Cap. V, p. 54 – 65.

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