Por:Circuito PSI
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jul 2017
Se Benjamim fosse um monstro declarado, seria mais simples. Mas ele foi um amante carinhoso. Se ele esta assim, é porque ele está mal. Portanto, ele pode mudar. Ela pode fazê-lo mudar. Ela fica na expectativa dessa mudança. Tem esperança de que um dia o nó desate e eles possam, enfim, comunicar-se. Ela se sente responsável pela mudança de Benjamim: é que ele não suportava vê-la deprimida. Sente-se igualmente culpada de não ter sido suficientemente sedutora ou suficientemente boa para satisfazer Benjamim. Ela disse a si mesma, também, que ficar com ele, mesmo em um relacionamento insatisfatório, ainda seria melhor do que ficar sozinha […] O que ela também sabe é que seus pais eram, por sua vez, um casal que não vivia bem, mas que ficou junto por obrigação. Em sua casa a violência foi uma constante, mas subterrânea, pois era uma família em que as coisas nunca eram ditas (HIRIGOYEN, 2009, p. 26-27).
Um tema bastante discutido na atualidade são as relações amorosas. Instituições sociais, religiosas, de saúde e de defesa de direitos sempre discorrem sobre o tema e não obstante vemos em sites, blogs e nas diversas mídias dicas para uma relação amorosa satisfatória. Mas o que dizer quando a relação amorosa é permeada de abuso?
A relação abusiva é aquela na qual o vínculo caracteriza-se pelo exercício de violência, de uma pessoa em relação à outra. Esta violência pode ser a física, psicológica, financeira, sexual ou verbal. Esse tipo de relação pode causar um estranhamento àqueles que estão entorno do casal. Contudo, pelo fato dos abusos acontecerem em âmbito privado, não raro ouvimos o velho ditado “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Esse ditado enfatiza duas questões: a do âmbito privado das relações e que ambos os parceiros estão de acordo com a forma abusiva a qual se relacionam e se comunicam, portanto, não se deve intrometer.
Sabemos que o casal realiza sua escolha amorosa de acordo com as vivências familiares e questões subjetivas. Mas á partir do momento que se percebe a convivência com um parceiro abusivo, não se pode falar sobre isso? As relações devem ser para sempre? É possível esperar a “melhora” do outro?
Percebe-se nos casos atendidos uma dificuldade ou até mesmo uma impotência de familiares em auxiliar aquele que é vitima de uma relação abusiva. Para além disso, verificamos nos próprios clientes uma dificuldade de se perceber em uma relação abusiva.
Os parceiros vitimizados chegam ao consultório, muitas vezes, na expectativa de uma Terapia de Casal a qual poderá mudar a situação ou como forma de se ter um espaço neutro para a comunicação. Normalmente, o parceiro abusador não aceita a terapia. Mas se a inicia, participa numa postura de pouca reflexão e de julgamento: a culpa é sempre do outro.
O parceiro vitimizado, por sua vez, chega a terapia com a autoestima minada, sentindo-se culpado pelo insucesso da relação ou muitas vezes se cala para evitar conflitos. Essa forma de interagir, mais uma vez, reforça a posição de impotência frente ao outro.
Sabemos que a terapia é precioso recurso para o autoconhecimento e de mudança, numa perspectiva de maior autonomia e realização pessoal. Nos casos de relações abusivas ela se faz ainda mais importante e urgente. É necessário um espaço para que o parceiro vitimizado possa:
1°: Falar, sem medo de julgamentos (sejam eles do parceiro, da família ou da sociedade como um todo);
2°: Reconhecer-se. O parceiro vitimizado tem características de baixa autoestima e dificuldade de se reconhecer, porque muitas vezes faz somente o que o outro deseja, minimizando assim possíveis conflitos ou agressões;
3°: Fortalecer-se de forma a conseguir comunicar com o parceiro abusador, estabelecer limites nesta relação ou apenas desvencilhar dela.
Sendo assim, o processo psicoterápico auxilia os envolvidos em uma relação abusiva no sentido de clarear o posicionamento de cada um e avalia, junto, a possibilidade de mudança, de reposicionamento relacional.
Referências
ALARCÃO, Madalena. (Des) Equilíbrios familiares: uma visão sistêmica. Coimbra/ Portugal: Quarteto, 2000.
HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio moral: a violência perversa no cotidiano. 11ed. – Rio de Janeiro; Editora Bertrand Brasil, 2009.