A Era da Falta de Empatia

Por:Circuito PSI
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21

out 2025

Vivemos em um tempo paradoxal, nunca estivemos tão conectados, e, ao mesmo tempo, tão distantes.

A empatia, essa capacidade de perceber, compreender e se sensibilizar com o outro, parece enfraquecer diante de um cenário social que valoriza o desempenho individual, a imagem e a velocidade.

Mas por que as novas gerações, especialmente aquelas que cresceram em meio à tecnologia e às redes sociais, demonstram níveis cada vez mais baixos de empatia e um maior traço de individualismo?

As redes sociais transformaram profundamente a forma como as pessoas se percebem e buscam validação. A lógica do ‘curtir’ e ‘ser curtido’ estimulou uma cultura de performance permanente, em que o valor pessoal passou a depender da visibilidade. Nesse contexto, o ‘eu’ se sobrepõe ao ‘nós’. O outro deixa de ser alguém com quem me conecto e se torna um espelho que reflete (ou ameaça) minha própria imagem.

Do ponto de vista psicológico, esse fenômeno pode ser compreendido à luz do narcisismo contemporâneo, conceito amplamente explorado por Christopher Lasch (1979) em A Cultura do Narcisismo. Lasch descreve a sociedade moderna como centrada na autopromoção, na aparência e na necessidade constante de reconhecimento externo, levando o indivíduo a uma forma de ‘empobrecimento do self’, uma identidade sustentada mais pela imagem do que pela experiência autêntica. A empatia, que exige deslocar o olhar do “eu” para o “outro”, torna-se incompatível com esse modelo de existência.

Grande parte das interações atuais ocorre em ambientes digitais, filtradas por telas e algoritmos. A ausência de contato visual, tom de voz e gestos empobrece a comunicação e dificulta o exercício da empatia. Além disso, a exposição constante a informações e sofrimentos alheios nas redes gera dessensibilização emocional. O sofrimento do outro se torna um dado, não mais uma experiência compartilhada.

Desde cedo, as novas gerações são estimuladas a se destacar, vencer e construir ‘sucesso pessoal’. Embora o esforço e a autonomia sejam valores importantes, a hipercompetitividade gera um efeito colateral. Assim, passamos a enxergar o outro como obstáculo, não como parceiro. Nesse cenário, a empatia é frequentemente interpretada como fraqueza, e o coletivo, como atraso.

Paralelamente, nunca se falou tanto sobre saúde mental e, paradoxalmente, nunca estivemos tão fragilizados emocionalmente. O aumento da ansiedade, da depressão e da solidão leva muitos a funcionarem em modo de sobrevivência emocional, com pouca disponibilidade para o outro. O individualismo, nesse caso, pode ser uma forma inconsciente de proteção contra o excesso de estímulos e o medo de se ferir novamente.

A ausência de educação emocional também contribui para esse cenário. As escolas e espaços de convivência raramente favorecem o desenvolvimento das habilidades socioemocionais. Sabe-se muito sobre produtividade, mas pouco sobre escuta, compaixão e cuidado. Sem práticas que estimulem o diálogo e a responsabilidade coletiva, forma-se uma geração tecnicamente competente, mas afetivamente carente.

Com o enfraquecimento de referências éticas e comunitárias, o comportamento passa a ser guiado por conveniência. Quando o ‘ter’ vale mais que o ‘ser’ e o ‘parecer’ substitui o ‘pertencer’, a empatia perde o espaço que antes ocupava na construção dos vínculos humanos.

O reflexo desse processo não se restringe à vida pessoal, ele se expande para os ambientes corporativos. Empresas compostas por indivíduos emocionalmente distantes, competitivos e pouco empáticos enfrentam queda na colaboração, aumento de conflitos e perda de propósito coletivo. A falta de empatia no trabalho não apenas afeta o clima organizacional, também compromete a inovação, a criatividade e a segurança psicológica, elementos indispensáveis ao futuro do trabalho.

A pesquisadora Amy Edmondson (2018), professora da Harvard Business School, define segurança psicológica como a percepção de que o ambiente de trabalho é seguro para se expressar ideias, admitir erros e assumir riscos interpessoais. Esse conceito, amplamente estudado na Psicologia Organizacional contemporânea, mostra que equipes com altos níveis de empatia e confiança mútua são mais inovadoras e resilientes diante das transformações do mundo do trabalho. Num cenário em que a tecnologia avança mais rápido do que a consciência relacional, o diferencial das organizações será justamente o capital humano empático.

Líderes que desenvolvem escuta ativa, compaixão e sensibilidade interpessoal criam ambientes onde as pessoas sentem-se seguras para errar, aprender e contribuir. Sem esse alicerce, qualquer discurso de ‘engajamento’ se torna vazio, e a cultura do desempenho se sobrepõe à do pertencimento. Cultivar empatia nas empresas, portanto, não é apenas uma escolha ética, é uma estratégia de sustentabilidade humana.

A boa notícia é que a empatia pode ser reaprendida. Ela nasce do encontro real, presente e humano. Requer tempo, silêncio, escuta e disposição para olhar o outro não como ameaça, mas como parte do mesmo tecido social.

Resgatar a empatia não é uma tarefa romântica; é uma necessidade coletiva. Em um mundo cada vez mais fragmentado, a empatia é o fio que ainda pode nos costurar como sociedade e como organizações.

Referências bibliográficas

LASCH, Christopher. A Cultura do Narcisismo: a vida americana numa era de esperanças em declínio. Rio de Janeiro: Imago, 1983. (Obra original publicada em 1979).

EDMONDSON, Amy C. The Fearless Organization: Creating Psychological Safety in the Workplace for Learning, Innovation, and Growth. Hoboken, NJ: Wiley, 2018.

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