Por:Circuito PSI
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jan 2017
Autor: Marcelo Luis Horta Silva Mariano.
Para a psicanálise, de acordo com Costa (1999), a idéia que culminou na união entre os homens, no qual se referencia a construção da cultura, foi “[…] a necessidade individual de sobrevivência e proteção. […] O objetivo era alcançar maior segurança, pois somos indefesos diante das forças da natureza e da morte, nossa principal inimiga”. (COSTA, 1999, p. 151).
Sobre as necessidades do homem, é importante compreender que o que ele precisa é socializar-se de forma a afastar o sofrimento e a insegurança diante do imperativo da morte, das poderosas forças da natureza tal como temem os homens e o próprio relacionamento com outros homens, pois ele é instintivamente agressivo.
A agressividade é inata aos seres humanos e dirigida à aqueles que não lhe são comuns e iguais e o que se segue nessa vertente é o amor se coloca para o homem de forma que os “de dentro” de sua cadeia de relações, como por exemplo, familiares, amigos e parentes, possam recebê-la; enquanto que aqueles que estão “de fora” só resta as manifestações de agressividade. O trabalho, portanto, surge como contrário as condições naturais de agressividade no homem.
Na Bíblia também podemos encontrar fragmentos que justifiquem a criação do trabalho, pois quando em Gênesis, Deus penaliza a Adão: “Visto que atendeste a voz de tua mulher, e comeste da arvore que eu te ordenara não comesses: maldita é a terra por tua causa: em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida”. (GENESIS 3,17). “No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes à terra, pois dela foste formado: porque tu és pó e ao pó tornarás”. (GENESIS 3,19).
A civilização, tal como entendida pela psicanálise, exige do homem uma renúncia aos instintos pulsionais mais primitivos e agressivos, ou ao menos que estes possam ser desviados à outros fins que não os diretamente dirigidos à outros homens. O trabalho se encaixa numa dessas construções a fim de que sejam deslocados os impulsos agressivos do homem a alguma atividade que o permita desviar de seu caminho originário e natural. O trabalho permite ao homem uma atividade de sublimação dos impulsos.
O trabalho não é condição inata ao ser, mas sim, adquirida pelo homem conforme os progressos da civilização, como afirma Freud (1927):
Onde, a principio, poderíamos pensar que sua essência reside no controle da natureza para o fim de adquirir riqueza, e que os perigos que a ameaçam poderiam ser eliminados por meio de uma distribuição apropriada desta riqueza entre os homens, parece agora que a ênfase se deslocou do material para o mental. (FREUD, 1927, p. 17).
Assim o que é peculiar à psicanálise é que o trabalho não aparece como condição inata e nenhum argumento resultará num sentimento de amor do ser humano para com o trabalho: “[…] os homens não são espontaneamente amantes do trabalho e que os argumentos não tem valia alguma contra suas paixões”. (FREUD, 1927, p. 18).
O homem revela, segundo Freud (1930[1929]), uma tendência para o descuido e as irregularidades e irresponsabilidades para com o trabalho. Tais características podemos dizer que são inatas, que são da própria natureza do homem devido a sua fidelidade comprometida às suas satisfações pessoais. Podemos afirmar que naturalmente o homem “boicota” o seu trabalho. A verdade por trás dos homens é que eles:
[…] não são criaturas gentis que desejam ser amadas e que, no máximo, podem defender-se quando atacadas; pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos deve-se levar em conta uma poderosa quota de agressividade. Em resultado disso, o seu próximo é, para eles, não apenas um ajudante potencial ou um objeto sexual, mas também alguém que os tenta a satisfazer sobre ele a sua agressividade, a explorar sua capacidade de trabalho sem compensação, utilizá-lo sexualmente sem o seu consentimento, apoderar-se de suas posses, humilhá-lo, causar-lhe sofrimento, torturá-lo e matá-lo. (FREUD, 1930[1929], p. 116).
O capitalismo aproveita-se dessa situação e nos lança objetos a todo o momento. Esses objetos nos fazem crer que necessitamos deles; tal movimento nosso, resulta automaticamente numa relação consumista e infindável que nos faz querer mais e desejar menos. O trabalho hospeda-se na questão do consumo, onde quanto mais “eu progredir, mais eu ganho e mais posso consumir”.
Uma das facetas geradas pelo aumento globalizante do capitalismo e um decréscimo no número de empregos no Brasil quiçá no mundo todo se deve pela constante circulação financeira entre os mais favorecidos. Freud (1927) há 82 anos atrás já tinha um parecer sobre esse assunto:
É de se esperar que essas classes subprivilegiadas invejem os privilégios das favorecidas e façam tudo o que podem para se liberarem de seu próprio excesso de privação. Onde isso não for possível, uma permanente parcela de descontentamento persistirá dentro da cultura interessada, o que pode conduzir a perigosas revoltas. (FREUD, 1927, p. 22).
Uma saída para a sociedade é apresentada por Freud (1926) para o grande mal-estar sobre a problemática da civilização e questões relativas ao trabalho:
Gerações novas, que forem educadas com bondade, ensinadas a ter uma opinião elevada da razão, e que experimentarem os benefícios da civilização numa idade precoce, terão atitude diferente para com ela. Senti-la-ão como posse sua e estarão prontas, em seu benefício, a efetuar os sacrifícios referentes ao trabalho e à satisfação instintual que forem necessários para sua preservação. Estarão aptas a fazê-lo sem coerção e pouco diferirão de seus líderes. (FREUD, 1927, p. 18).
Uma saída para o sujeito, Freud (1927) parece querer demonstrar através de uma obtenção de satisfação voltada diretamente ao trabalho. Ou seja, o fato de o trabalho não ser uma condição da natureza humana faz com que não resulte necessariamente numa relação satisfatória; portanto, o que Freud (1927) evoca em seu texto é que encontrado o trabalho que desperte desejo no homem, este trabalhe a partir de suas fontes psíquicas e intelectuais. “[…] a alegria do artista em criar, em dar corpo às suas fantasias, ou a do cientista em solucionar problemas ou descobrir verdades, possui uma qualidade especial que, sem dúvida, um dia poderemos caracterizar em termos metapsicológicos”. (FREUD, 1930[1929], p. 87).
O que rege em um ambiente de trabalho é uma questão de vínculos entre os homens através do trabalho e interesses em comum. Dessa condição idealizada é que somos chamados no que tange os avanços da civilização, como é o caso dos Estados Unidos. O trabalho e sociedade são componentes antagônicos aos impulsos naturais do homem. É algo como uma necessidade de “adaptação” do homem aquilo que ele mesmo criou. A incoerência reside no antagonismo que se sustenta.
COSTA, Regina Teixeira da; FÈRES, Nilza Rocha. Em dia com a psicanálise.Belo Horizonte: A.S. Passos Ed, 1999, 189 p.
FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XXI: O Futuro de uma ilusão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 299 p.
FREUD, Sigmund. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud: v. XXI: O mal-estar da civilização. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 299 p.
GENESIS. In: A BÍBLIA: tradução ecumênica. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1969.