Por:Circuito PSI
Novidades
jan 2017
Autora: Karla Cristiane M. de Castro Mariano.
É comum no consultório identificarmos um jogo de ataque e defesa dos casais, aonde cada par tenta se aliar ao psicoterapeuta no intuito de formar uma colisão como álibi ou validação de sua suposta certeza e imaginário triunfo numa competição posta por estes.
Essa disputa pode ser comparada metaforicamente a uma ‘guerra dos sexos’ se pensarmos no modo de comunicar desses ataques e defesas.
Suponhamos que um casal se apresente para um tratamento conjugal com a seguinte queixa: brigas constantes por causa da ‘implicância’ da esposa com a ‘falta de atitude’ do marido. No balbucio de explicar sua passividade na relação, o marido diz que seu retraimento é a única defesa contra as implicâncias da esposa. A esposa, por sua vez, diz que só implica com o marido porque ele não se envolve nas questões do casal e nem da família, se mantendo afastado das decisões importantes.
Em várias sessões a demanda inicial retornará como alerta de forma repetidamente monótona: “Eu me retraio porque você implica” e“ Eu implico porque você se retrai”.
Arrisco-me em dizer que nessa ‘guerra’ não haverá vencedor e nem perdedor. Contrário a uma solução, os casais tendem a reforçar cada vez mais suas justificativas, mantendo-se em lado opostos. Os cônjuges terão realidades distintas em jogo e estarão condicionados a um padrão interacional que pode persistir ad infinitum. É o que chamo de Política de Amamento do Casal.
A Política aqui deve ser entendida como uma arte da organização, direção e administração da relação; uma autêntica corrida de cada cônjuge em reunir artefatos para sua defesa.
A Política de Amamento do Casal passa a fazer parte de um movimento para conservar o equilíbrio do casal que aprendeu interagir nesta natureza oscilatória.
É isso mesmo! Um membro do par se vê estimulado a aumentar seus ‘armamentos’ (ou melhor, seus argumentos) para superar os ‘armamentos’ do outro membro do par pelos quais se julga ameaçado. Esse aumento de ‘armamentos’ torna-se, então, uma ameaça ao casal. Torna-se uma bomba nuclear poderosa pronta para acabar com a ‘guerra’, para acabar com o relacionamento. E, mais ainda: o aumento do ‘armamento’ do subsistema casal, pode, por sua vez, ser interpretada pelos subsistemas “vizinhos” (pelos filhos, por exemplo) como uma ameaça contra eles também… assim por diante.
[Esposa]: Amor, acordei atrasada… você me leva no curso?
[Marido]: Não posso… tenho uma reunião. Vai de ônibus.
[Esposa]: Mas aí vou chegar quase no final da aula… por favor…
[Marido]: Então vai de táxi…
[Esposa]: Não tenho dinheiro pro táxi.
(Silêncio)
[Marido]: Meu bem, eu não tenho nenhuma blusa pra ir trabalhar hoje… como vou fazer?
[Esposa]: Não sei… não posso fazer nada… estou atrasada!
[Marido]: Mas, não dá pra passar uma blusa pra mim?
[Esposa]: Você acha que sou sua empregada, é?
[Marido]: Lá vem você…
[Filho]: Mããeee, cadê minha calça do uniforme?
[Esposa]: Vocês não me ajudam em nada… e agora que estou atrasada ficam tentando me atrapalhar… mas não vou deixar de ir ao meu curso não, viu?
[Marido]: Eu até tento te ajudar, mas tudo que faço tá errado… você vai lá e faz tudo de novo… outro dia eu passei a calça do uniforme do Júnior… e você disse que fiz serviço de porco… foi lá e passou a calça de novo… então não vou ficar perdendo meu tempo…
[Esposa]: A calça estava mal passada… por isso passei de novo.
[Marido]: Por isso que não te ajudo.
[Esposa]: Ah é… então beleza. Pode deixar que a escrava aqui vai se atrasar no curso pra passar as roupas hoje.
[Filho]: Tá vendo pai… a mamãe ficou chateada… Mãe, se você quiser eu passo minha calça.
[Marido]: Você não sabe passar roupa, Júnior…
[Filho]: Nem você… Eu não quero mais ir à aula… (saiu choramingando)
[Marido]: Meu bem, eu te levo no curso… assim você não se atrasa.
[Esposa]: Pode deixar. Desisti. Vou passar o dia passando as roupas.
O que se introduz não é mais uma simples discordância de realidades, mas uma série de oscilantes de padrões repetitivos.
E quando essa ‘guerra’ cessa fogo? Uma das maneiras é agruparmos esses argumentos de forma diferente à habitual. O objetivo é esgotarmos os recursos de ambos os lados construindo a paz sem levantar a bandeira branca e ter que dizer: “Eu me rendo!”
_ O auge do armamento, principalmente do armamento nuclear, fez com que as nações de primeiro mundo se equipassem com armas atômicas e as nações menos desenvolvidas com as armas mais avançadas que conseguiram adquirir, esgotando os seus recursos. (Pensem nisso!)
Referencial:
Watzlawick P, Beavin JH, Jackson DD. Pragmática da comunicação humana: um estudo dos padrões patologias e paradoxos da interação. São Paulo: Cultrix; 1921 (2007).